quinta-feira, 21 de maio de 2009

O Namoro Lisboeta


Nos prédios de rendimento populariza-se então o namoro “de estaca” ou “de gargarejo”. Olhar cravado numa janela de terceiro andar, o pretendente coca durante horas a sua fonte de inspiração. Depara-se-lhe frequentemente, em vez dela, algum parente irado que se põe gritar despautérios, perante o gáudio de toda a vizinhança. A mor parte das vezes lá assoma a menina, discretamente atrás da cortina, e assim ficam tempos esquecidos, trocando muitos gestos e alguns gritinhos. Há quem se faça valer duma espécie de telefone de cartão e fio encerado, descendo-o até à rua, para melhor captar as adoradas frases do marmanjo. Ou prendem-se cartas de amor à ponta de um cordel que a menina pendura lá do alto. E tudo isto sob a chacota de quem passa: guarda municipal, cocheiros de tipóia, galegos aguadeiros, padres de sotaina ou meretrizes cobertas de carmim. Cada namoro de janela é assunto dum bairro inteiro, fazendo as delícias da vizinhança alcoviteira.

(in Lisboa Desaparecida, volume IV)

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