quarta-feira, 5 de março de 2025

LISBOA, 1940

 «A Exposição do Mundo Português será a coroa de glória das opções assumidas por Ferro e apenas esboçadas anos antes, quer na Exposição Industrial do Porto quer na Internacional de Paris, em 1937, onde o pavilhão concebido pelo jovem arquitecto Keil do Amaral rompia com tudo aquilo que, até então, Portugal apresentara ao estrangeiro. No guia da Exposição do Mundo Português, o comissário Augusto de Castro escreve: "Sendo um olhar lançado sobre o passado, [a exposição] não terá um carácter exclusivamente erudito - e muito menos arqueológico. Deverá ser, ao contrário, uma lição de energia, uma perspectiva do génio português através de todos os estímulos de grandeza, um balanço de forças espirituais." Outros panfletos salientam tratar-se da primeira grande exposição histórica do Mundo. Esse mesmo mundo agora - historicamente - em guerra, ajuda a gerar, à volta desta paz sacralizante e sacralizada, o ambiente fictício dum paraíso do absurdo. »

(...)
Continua no livro «Lisboa nos Anos 40, Longe da Guerra»



Imagem do livro, fotografia de Mestre Horácio Novaes.




terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

 ADEUS, BELÉM HISTÓRICA


«O processo do edifício número 138 da Rua de Belém não consta hoje de qualquer arquivo camarário consultável. Em vão tentei localizá-lo, ao longo de meses, enquanto procedia à análise de todos os outros documentos referentes aos demolidos em 1939. Proprietários dos restantes prédios da Rua de Belém foram informados sobre indemnizações e prazos; mesmo quando os prédios eram propriedade municipal, o respectivo processo inclui documentos referentes às lojas locais. Porquê, então, esta misteriosa omissão do número 138?
Acontece que, confirmando aquilo que diziam as pessoas do burgo, a referida casa guardava, nos seus alicerces, ruínas históricas contemporâneas da antiga capela do Infante. Quando as demolições do quarteirão começaram, rapidamente foram postas a descoberto antigas abóbadas. Ordens superiores mandaram então suspender os trabalhos, permanecendo o pequeno edifício entre as ruínas dos seus vizinhos, enquanto se decidia o que fazer do achado. Nada transpareceu nos jornais, e a demolição acabou por consumar-se, pois já não havia tempo para alterar quaisquer planos. Uma imprevisível descoberta acabou por tornar claro aquilo que, à época, ainda seria discutível: que a homenagem à história pátria se fazia à custa do desaparecimento de testemunhos dessa mesma história. (...)


continua no livro

Forografia: Mestre Horácio Novaes, prova original da época.







quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Avenida Duque de Ávila


Lisboa já se estendeu para norte. Ao Passeio Público, a Avenida da Liberdade passara-lhe por cima para ir dar à Rotunda. A partir daí (menos ambiciosas na sua largueza), diversas avenidas se abriram e, a seguir à (mais modesta) rotunda do Saldanha, nelas outras se cruzaram: as Avenidas Novas. Como esta ainda tão pacata e quase provinciana Avenida Duque de Ávila que aqui vemos, já percorrida por eléctricos, cujos fios, porém, são consertados, ainda, por carros puxados a cavalo.

Puxada a cavalo segue também, na outra via, uma carroça. O mundo - dir-se-ia - caminhava em frente e direito a nós. Equilibrado, embora, em dois pés: o passado e o presente. No meio, estão as poucas gentes que passam, insensíveis decerto à concomitância da História. Só os dois miúdos estacaram. Olhos postos no fotógrafo e no futuro.




quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

 PRAÇA DA FIGUEIRA


Marina Tavares Dias em «Os Melhores Postais de Lisboa», 1995:

Lembrando os "halles" de Paris, as longas galerias de ferro da Praça da Figueira multiplicavam-se em bancas diversas, áreas especializadas, aromas do campo e do mar. Flores, legumes, carnes, peixes, pequenas inutilidades. Muitos lenços brancos, xailes pretos, muitos vestidos pobres, muitos pregões, regateares, elogios e descomposturas.

Não deixa de ser simbólico que a mais antiga representação do mercado sobre postal ilustrado seja, afinal, uma imagem do interior. Porque era cá dentro que se justificava todo um modo de vida. Era cá dentro que se reuniam Lisboa e os arredores, como se consumava o destino da boa criação musculada no campo para ir morrer nas abastadas cozinhas dos bairros residenciais.

Depois deste, apenas outro postal - já em fototipia - reproduziria uma imagem das galerias. No entanto, a opção pela parte mais animada do dia, o pormenor e retoque de cada presença, a alegria traçada no calor das cores, favorecem em muito esta edição. Veracidade e sortilégio da fotografia: quase podemos assegurar que - por uma vez - deles prescindimos de bom grado.




sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

A FEIRA DA LADRA EM POSTAIS



Marina Tavares Dias em «Os Melhores Postais de Lisboa»:

Não é o mais raro postal da Feira da Ladra, mas é, sem dúvida, o mais apelativo. Mostra a zona compreendida entre o Arco de S. Vicente e o Mercado de Santa Clara, onde ainda hoje se reúnem feirantes. As bancas especializavam-se, sobretudo, em móveis e livros usados. Também não é de crer que o jovem que posa, quase ao centro da imagem, estivesse munido de cartão de estudante. Esta é a Feira tradicional, à margem de burocracias. Apesar dos eventuais objectos roubados, era um lugar pacato, onde quase todos se conheciam.